Esse foi mais um assunto que surgiu um dia desses na comunidade Pediatria Radical. Mais um daqueles tópicos bombados (centenas de posts), com alguns trechos bem polêmicos, mas cheio de idéias interessantes.
Esse foi o diálogo que me chamou bastante atenção:
Participante 1 diz: Acho a ida ao GO invasiva demais para uma mulher.
Participante 2 diz:Mas ñ deveria ser invasiva...Deveria ser natural...Como ir ao dentista por exemplo...Infelizmente nosso corpo e sexualidade ainda é um tabu.
A primeira questão que me apareceu foi: desde quando o discurso médico sobre a sexualidade feminina é livre de tabus??
Eu não entendo porque ir ao ginecologista é sinal de que a pessoa lida bem com sua própria sexualidade. Até porque a sexualidade humana tem muito pouco a ver com a intervenção médica no corpo. A sexualidade humana implica uma dimensão imaginária e fantasmática que escapa de qualquer controle tecnicista e do discurso positivo da ciência.O discurso médico, carne e unha com o discurso da igreja, é o discurso mais cheio de tabus. Tanto que tenta reduzir toda a sexualidade ao orgânico/fisiológico, e equipara o corpo da mulher a uma máquina para, enfim, dominar e exercer sobre ele seus "podres poderes". Uma mulher que vai buscar verdade sobre sua sexualidade dentro de um consultório ginecológico, e acredita piamente que ele está falando dela quando descreve o funcionamento mecânico dos órgãos, ela estará bem equivocada.Um amigo meu, médico, falava que a sexualidade no discurso médico só pode ser vista pelo campo fenestrado. Traduz bem a visão limitada que o discurso médico tradicional tem sobre o assunto.
Salvo questões orgânicas que, até onde pude me informar, raramente são causas de anorgasmia, o orgasmo não se aprende dentro do consultório do GO. O orgasmo é resultado do conhecimento do próprio corpo, dos limites, dos desejos, da sua anatomia, que está muito mais na "cabeça" da mulher do que num livro de anatomia humana.
A minha pontuação é exatamente sobre sua (Participante 2) fala quando aponta o dispositivo médico como espaço ideal para mulher discutir e aprender sobre sua sexualidade. Muito pelo contrário, o discurso médico é castrador. Não entende nada do feminino. É um discurso machista que procura calar a sexualidade feminina. Por isso que não se aprende nada dentro de um consultório.Veja que estou falando do discurso médico e não do médico, que pode ou não reproduzir esse discurso, que pode estar mais ou menos marcado por ele.Aliás, de uma forma geral, a hegemonia do discurso positivo da ciência sobre o corpo visa exatamente dominar a única dimensão da nossa existência que poderíamos ser senhores de nós mesmos. Isso vale para homens e mulheres.
É uma questão de ponto de vista. Não acho que falta de orgasmo tenha a ver com educação sexual. Educar a sexualidade a ter orgasmo?? A educação sexual serve para outra coisa, mas não para se ter orgasmo. Serve para controle de DSTs, de natalidade, planejamento familiar, etc.Tudo lugar onde existe um discurso positivista sobre a sexualidade é anorgasmático. A sexualidade, no sentindo pleno da palavra, se aprende vivenciando, e não tendo aulas de anatomia, neurofisiologia, etc., etc.A sexualidade tem a ver com a representação que fazemos do nosso corpo.
O discurso academicamente organizado/cultura e a sexualidade/natureza são duas dimensões em eterno conflito. Hoje em dia a sexualidade se aprende em livros, em aulas de educação sexual com autoridades diversas (educadores, psicólogos, médicos). O que vemos hoje é resultado de anos de reverência à tekné. O engraçado é perceber que, a fim de exercer poder sobre as individualidades, a sanha da natureza humana, a palavra tekné, que também se referia às técnicas mágicas e religiosas, passou a ser tomada apenas na sua dimensão racional.
Antigamente, a mulher aprendia sobre sexualidade observando a natureza e seus rituais. Hoje, é preciso do discurso psi, discurso médico, discurso feminista, enfim, é preciso de todo um saber academicamente organizado para ensinar-lhe as verdades sobre seu corpo.Uma menina deveria aprender sobre sexualidade observando seus pares e experimentando seu próprio corpo. Toda mãe deveria passar por um processo de reconhecimento do seu próprio corpo antes de se colocar inevitavelmente como modelo de feminilidade para suas filhas. Assim como modelo de mulheres para seus filhos. Não estou colocando mais uma culpa na longa série de culpas da mãe. Mas, nós sabemos o quanto as mulheres se tornaram vítimas, para serem controladas, do discurso machista.Preventivo x Medicina Preventiva A medicina preventiva se faz na esfera doméstica, utilizando os elementos da natureza. O ar livre, o sol, a água, os alimentos cuidadosamente escolhidos, etc. A medicina preventiva que se faz com o auxílio da medicina científica, com seu saber acadêmico e sua tecnologia, para mim, não tem nada de preventivo.Durante quantos anos da existência humana, corrimentos vaginais foram curados por elementos da natureza (banhos de assento, etc). Aos poucos, fomos perdendo essa saber ancestral para assumir, iludidos pelas garantias, a supremacia do conhecimento médico-científico.
A manipulação do corpo de crianças incapazes de simbolizar aquela experiência deve ter alguma repercussão psíquica. Levar uma menina ao médico também porque menstruou acho desnecessário. Menstruação não é doença.
Talvez, o único argumento a favor de levar ao médico após a menstruação é o risco de uma gravidez na adolescência, caso os pais percebam a chance em potencial dessa menina iniciar sua vida sexual a qualquer momento, e queiram orientar em relação aos métodos contraceptivos. Mesmo assim, a menina deve consentir. Agora, eu pergunto porque não se leva um menino na flor do seu amadurecimento sexual a um andrologista para checar se seu aparelho genital é realmente funcional e livre de doenças??!! Não é intrigante como a família e a sociedade incentivam os meninos a aprender em experimentando, enquanto as meninas precisam do saber científico para saber que é possível ter um orgasmo, que ele existe?
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Quando as meninas devem fazer a primeira consulta ginecológica?
A primeira consulta ginecológica.
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