
Certos adultos confundem maus tratos com castigo e não ousam punir os seus filhos, considera Patrice Huerre, médico-chefe do serviço de psiquiatria da criança e do adolescente no hospital de Antony Hauts-de-Seine, região parisiense). “Uma punição ocorre para sinalizar o fato de que os limites foram ultrapassados; em relação a isso, um bom número de profissionais da medicina, entre os quais eu me incluo, está empenhado em lembrar aos pais de que em caso de transgressão da autoridade eles têm o direito e o dever de castigar os seus filhos”, diz.
Contudo, aquilo que pode parecer uma evidência está provocando asco numa geração inteira de pais que estão escaldados pelo autoritarismo dos seus próprios genitores, ou que estão tentados a acreditar que uma criança amada é naturalmente boa. O fato de puni-la evidencia então os erros da sua própria educação e gera neles um sentimento de fracasso e de culpa.
“Muitos foram aqueles que acreditaram que ao empenharem muito amor e ao oferecerem explicações, passaria a ser possível controlar certos instintos das crianças”, explica Didier Pleux, um psicólogo clínico. “Mas, desta forma, em vez de desenvolver neles o sentimento do outro, eles desenvolveram o seu egocentrismo”.
Regras definidas de antemão
Com isso, os aprendizes de tirano foram se tornando cada vez mais numerosos. Eles protestam sob qualquer pretexto, quando vivenciam toda e qualquer frustração, por menor que ela seja, e transgridem alegremente as regras sob os olhares constrangidos dos adultos. Mas, de quais maneiras, e dentro de quais circunstâncias uma criança deve ser castigada? Algumas precauções prévias condicionam as virtudes educativas da punição.
Princípio número um: “As regras do jogo devem ser definidas de antemão, por que não em família?”, considera o doutor Huerre. “Assim, caso ela desobedecer, a criança já sabe o que poderá acontecer com ela”.
Em segundo lugar, é importante que os pais não ameacem com punições que, na hora h, eles não serão capazes de infligir. Do tipo: “você não vai ganhar nenhum presente no Natal”, ou ainda, “você ficará sem poder assistir à televisão durante seis meses”. Conforme explica o psicólogo Didier Pleux, “os pais devem optar por impor castigos apropriados proporcionais, os quais, para as crianças, devem despontar de preferência como sendo conseqüências dos seus atos, e nem tanto como punições”. Em outras palavras, para o pequeno, a sanção não deve ser percebida como uma injustiça. Além disso, é importante evitar mostrar-se mais severo com um ou outro dos seus filhos, mesmo se os tipos de punição variam conforme a idade.
Terceiro princípio, provavelmente o mais difícil de ser respeitado: não se deve punir sob o efeito de uma viva emoção. “Quando você sente a cólera tomar conta de você, procure um lugar isolado e fique sozinho por cinco minutos para se dar o tempo de respirar e tentar recuperar a sua calma”, conselha Stéphane Clerget, um psiquiatra infantil. “Caso a cólera for forte demais, o seu filho não mais irá o reconhecer, e ele sentirá medo de você”.
Princípio número quatro, o qual é muito controvertido: nada de castigos corporais, inclusive as palmadas nas nádegas. “A violência física não constitui uma resposta educativa, mas sim emocional”, considera o doutor Pleux. “Ela mostra que os pais perderam o controle da situação”. As palmadas simbolizam as tensões que existem em torno da educação. De um lado, a associação Nem Bofetadas Nem Palmadas está mobilizada para lutar pela sua proibição na França, conforme já fizeram doze Estados, membros do Conselho da Europa. Do outro, a União das Famílias na Europa reúne pais que reivindicam o direito de sancionar os seus filhos por meio de castigos corporais.
“Uma criança que é criada em meio ao terror das palmadas corre risco de se tornar um adulto que aceitará submeter-se à tirania ou, inversamente, um rebelde que nunca suportará nenhuma imposição legal”, considera, por sua vez, o doutor Clerget. “Além disso, os pais também se arriscam a condicionar a criança a mentir para se proteger. E eles se expõem, ao baterem num adolescente, a ver este último reagir da mesma forma, devolvendo os golpes”.
Philippe Jeammet, um antigo chefe do serviço de psiquiatria para adolescentes e jovens adultos no Instituto Montsouris, em Paris, se diz irritado com esta polêmica. “Todas essas tentativas que visam a colocar os pais na defensiva, proibindo-os de recorrerem às palmadas, despontam como bastante irrisórias”, considera. “Com a condição de não dar margem a excessos, esta punição pode vir a ser uma reação saudável num dado momento. Os seus detratores se concentram num detalhe, ao passo que mais importante é o fato de os adultos estarem recuperando a confiança e se sentirem autorizados a impor limites aos seus filhos”.
Entre educar sem punir e dar palmadas nos seus filhos, existe um vasto leque de castigos que já mostraram dar bons resultados, como a reparação, a privação, os pedidos de desculpas, entre outros. Eles apresentam a vantagem de terem um sentido para as crianças. “Se você se recusar a comer espinafre, vai ficar sem sobremesa”; “Você voltou para casa tarde demais: não vai sair com os seus amigos no próximo fim de semana”; “Você espalhou terra por todo lugar: pegue uma vassoura e ajude a limpar…”.
Para os mais novos, o simples ato de arregalar os olhos com ar bravo, elevar o tom da voz firmemente, sem, contudo, dar berros, pode ser suficiente. Vale também dizer-lhes que eles estão se comportando como molequinhos - se este for o caso -, o que pode também ajudá-los a progredirem.
Aliviar a sua culpabilidade
“As melhores punições”, considera o doutor Clerget, “são provavelmente a compensação de um erro ou a imposição de uma pequena tarefa de interesse familiar”. Elas fazem com que a criança consiga diminuir o seu sentimento de culpabilidade e ajudam-na a tomar consciência das conseqüências da besteira que ela cometeu.
Para os mais crescidos, as sanções podem ir desde a privação do dinheiro da mesada até a proibição de usar o computador ou de sair com amigos. Em contrapartida, é fortemente desaconselhado suprimir uma atividade útil, esportiva ou cultural, para o desenvolvimento da criança.
Além disso, para lidar com os adolescentes mais complicados, que não respeitariam as proibições, os pais podem encontrar uma solução na possibilidade de pedir a intervenção de um terceiro, um tio, um padrinho, uma avó, contanto que este seja respeitado pelo jovem recalcitrante. Quem sabe, esta pessoa de fora seja capaz de convencer aquele aprendiz de rebelde.
Mas, a necessidade de punir quando as proibições não são respeitadas não deve fazer esquecer de que educação passa acima de tudo pela confiança que a criança tem nos seus pais. É preciso tomar cuidado para não se deixar prender na armadilha de uma relação de conflito. É preciso manter-se atento para não deixar de felicitar, de incentivar a criança que respeita as regras e mostra que está fazendo progressos, e não hesitar a confiar-lhe responsabilidades, a valorizá-la. Isso porque a auto-estima pode ser gravemente prejudicada em crianças que teriam o sentimento de nunca satisfazerem aos seus pais.
Referência: Martine Laronche, Le Monde / Tradução: Jean-Yves de Neufville
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